O primeiro livro que li de Lya Luft veio numa época bem conturbada da minha vida. Perdas & Ganhos tratava justamente de questões que me sufocavam assim que completei 30 anos. Aquela sensação que dá "o que estou fazendo da minha vida?" Uma lacuna que abre assim que a maturidade começa a surgir realmente em nossa vida. Ser mulher, mãe, profissional, filha, amiga. Tanta coisa a ser revista e questionada. Parecia ter aberto as portas do inferno naquele momento. Mas tão necessário, tão comum que só quem não presta atenção em si mesmo não é capaz de perceber que a cabeça e o corpo estão entrando numa outra fase. Se ela é boa ou não depende da concepção de cada um. O livro me ajudou e ao mesmo tempo mexeu bastante. Necessário, com certeza.
No aeroporto de Congonhas avistei Em Outras Palavras, da mesma autora. A análise de suas crônicas me ajudaram a perceber que a vida possui nuances que estão sempre nos impulsionando ao eterno questionamento daquilo que somos, que pensamos ser e do que gostaríamos de ser. Embora sejam fragmentos da vida real, tais textos foram aproveitados para acalmar minha mente confusa com a realidade necessária.
No consultório da minha psicanalista, estava folheando uma revista Veja tardia, e encontro mais um narrativa de Lya que vem de encontro aquilo que sempre pondero, que reflito no meu cotidiano e que acontece aos montes pra tanta gente. É uma pena que nem todos possam ter o mesmo olhar para as coisas. Mas a diversidade está aí pra provar que as diferentes concepções e atitudes é que fazem do ser humano algo tão amplo, tão cheio de sentimentos que por vezes se ocultam, mas em algum momento latente, há de transbordar pra fora. E cada um sabe de suas questões mais íntimas, suas verdades ou ausencias. Quem se esconde, sofre. Quem se lança, arrisca-se, machuca-se mais talvez, sangre com mais gosto, mas a vida é verdadeira e sua sinceridade consigo próprio liberta. Eu tenho mostrado pra todos aquilo que sou, bem ou mal, agradável ou repulsiva, sou eu na mutação, na busca de refazer tudo que se rompeu. Reconstruir demanda tempo e capricho, atenção e amor próprio em doses bem altas. Quem sabe surja algo melhor em mim. Quem sabe, toda perda realmente nos traga aquilo que é necessário à nossa vida.
" ... Não queremos perder nada e, se pudéssemos, teríamos amarradas em nós todas as coisas positivas, os momentos felizes e as pessoas amadas- levando-as conosco feito um tesouro sufocante, pois o que é bom, quando agarrado com unhas e dentes, aprisiona.
Viver é perder, viver é ganhar, e quando escrevi um pequeno ensaio chamado Perdas & Ganhos, eu falava nisso. Alguém comentava que escrevo sempre sobre as mesmas coisas: pode até ser. Todo artista tem seus temas viscerais, dos quais não quer se livrar. Ao contrário, ele o repete, exorcisa e transfigura de muitos modos, não repetindo por pobreza, mas intensificando para melhor se expressar.
Porque é assim que se faz. Ou é assim que eu faço, e falo da vida. Quando falo da morte, também falo da vida. Quando falo de vida e morte, falo em relações amorosas- ou rancorosas. Quando escrevo sobre palavras ou linguagem, escrevo sobre silêncio e incomunicabilidade.
Esta é, aliás, uma das marcas do ser humano: não saber se comunicar.
Quanta dor, quanto mal-entendido, quanta calúnia, quanto abandono e incompreensão devidos a palavras e emoções mal expressas, mal ouvidas, mal sentidas, insuficientes ou excessivas. quanta perda, ou melhor: quanto desperdício.
Mas nem todas as perdas são vida jogada fora: algumas são necessárias. É preciso saber alternar as perdas com novos ganhos. Alguns deles, aliás, dependem da anterior perda. Somos contraditórios como tudo o mais.
Trabalho no momento em dois projetos, um ensaio sobre silêncio e incomunicabilidade e um livro de contos. Percebo, porém, nessa singular autonomia que a obra tem relação ao autor, que talvez ambos acabem fundindo num romance. Muitas vezes foi assim, muitas vezes será. om artista precisa de boa escuta: seguir o sopro do vento interior, que não é para elogios, críticas, vendagem ou fracasso, mas acontece num outro registro, que só ele percebe. É dele, ninguém mais tem acesso-nem deve ter.
Nesse novo trabalho ainda indefinido, ainda emergindo das águas profundas, escrevo sobre relacionamentos deteriorados, ou delicados amores. Sobre a nossa dificuldade em ser mais felizes, sobre a luta eterna entre pulsão de alegria e desejo de término e morte.
Por erro de momento e cálculo, podemos perder tempo e vida- mas podemos ter novos ganhos, se não formos nem tolos nem rígidos demais, se o vício da autoflagelação não superar o de realização. Podemos ter um amor bom porque perdemos o que estava distorcido e ruim. Podemos ter uma vida nova porque superamos a outra, que era tormentosa e falsa. Podemos ter novo projeto de trabalho porque o outro não satisfazia mais. Isso é que chamo de arrojo, audácia positiva, salvação.
Repito, muitas coisas é preciso perder. É preciso saber perder. A criança tem de perder de certa forma a mãe para a reconquistar em outra maneira, não mais a mãe todo-poderosa, sem a qual não sobrevivemos nos primeiros anos, mas a que estimula e concilia, que empurra para cima e para adiante, nos respeita no que somos e podemos fazer- e assim também nos perde um pouco, para nos ganhar melhor.
Quando adultos, temos de ratificar essa perda, tornando-nos mais autônomos, menos rebeldes porque mais tranqüilos. As naturais implicâncias entre pais e filhos, sobretudo mães e filhos, cedem lugar a uma nova camaradagem, mais alegria e apoio mútuos.
Só quem não quiser botar rédeas e algemas poderá- sabendo perder- ganhar parceiro ou parceira carinhosos e alegres, em lugar de relações que parecem câmaras de torturas óbvias ou, pior, sutis.
O que é esse perder?
É, de novo, olhar o outro, abrir-lhe os necessários espaços, permitir que o bom senso fale mais alto que o egoísmo.
E, se algum dia houver uma real separação, nada mais digno, mais respeitável, do que deixar o outro ir, preservando os momentos bons que houve, para que não se envenene o que um dia foi amor e compromisso mútuo.
Se não formos demasiados neuróticos, os mais belos momentos estarão em nós como fundamento de uma nova experiência.
O que não podemos perder de verdade é a capacidade de contemplar e curtir a beleza e os afetos, de manter a compostura, o orgulho e a esperança. Se os deuses nos ajudarem a tanto, porque às vezes isso é dura tarefa."
No aeroporto de Congonhas avistei Em Outras Palavras, da mesma autora. A análise de suas crônicas me ajudaram a perceber que a vida possui nuances que estão sempre nos impulsionando ao eterno questionamento daquilo que somos, que pensamos ser e do que gostaríamos de ser. Embora sejam fragmentos da vida real, tais textos foram aproveitados para acalmar minha mente confusa com a realidade necessária.
No consultório da minha psicanalista, estava folheando uma revista Veja tardia, e encontro mais um narrativa de Lya que vem de encontro aquilo que sempre pondero, que reflito no meu cotidiano e que acontece aos montes pra tanta gente. É uma pena que nem todos possam ter o mesmo olhar para as coisas. Mas a diversidade está aí pra provar que as diferentes concepções e atitudes é que fazem do ser humano algo tão amplo, tão cheio de sentimentos que por vezes se ocultam, mas em algum momento latente, há de transbordar pra fora. E cada um sabe de suas questões mais íntimas, suas verdades ou ausencias. Quem se esconde, sofre. Quem se lança, arrisca-se, machuca-se mais talvez, sangre com mais gosto, mas a vida é verdadeira e sua sinceridade consigo próprio liberta. Eu tenho mostrado pra todos aquilo que sou, bem ou mal, agradável ou repulsiva, sou eu na mutação, na busca de refazer tudo que se rompeu. Reconstruir demanda tempo e capricho, atenção e amor próprio em doses bem altas. Quem sabe surja algo melhor em mim. Quem sabe, toda perda realmente nos traga aquilo que é necessário à nossa vida.
" ... Não queremos perder nada e, se pudéssemos, teríamos amarradas em nós todas as coisas positivas, os momentos felizes e as pessoas amadas- levando-as conosco feito um tesouro sufocante, pois o que é bom, quando agarrado com unhas e dentes, aprisiona.
Viver é perder, viver é ganhar, e quando escrevi um pequeno ensaio chamado Perdas & Ganhos, eu falava nisso. Alguém comentava que escrevo sempre sobre as mesmas coisas: pode até ser. Todo artista tem seus temas viscerais, dos quais não quer se livrar. Ao contrário, ele o repete, exorcisa e transfigura de muitos modos, não repetindo por pobreza, mas intensificando para melhor se expressar.
Porque é assim que se faz. Ou é assim que eu faço, e falo da vida. Quando falo da morte, também falo da vida. Quando falo de vida e morte, falo em relações amorosas- ou rancorosas. Quando escrevo sobre palavras ou linguagem, escrevo sobre silêncio e incomunicabilidade.
Esta é, aliás, uma das marcas do ser humano: não saber se comunicar.
Quanta dor, quanto mal-entendido, quanta calúnia, quanto abandono e incompreensão devidos a palavras e emoções mal expressas, mal ouvidas, mal sentidas, insuficientes ou excessivas. quanta perda, ou melhor: quanto desperdício.
Mas nem todas as perdas são vida jogada fora: algumas são necessárias. É preciso saber alternar as perdas com novos ganhos. Alguns deles, aliás, dependem da anterior perda. Somos contraditórios como tudo o mais.
Trabalho no momento em dois projetos, um ensaio sobre silêncio e incomunicabilidade e um livro de contos. Percebo, porém, nessa singular autonomia que a obra tem relação ao autor, que talvez ambos acabem fundindo num romance. Muitas vezes foi assim, muitas vezes será. om artista precisa de boa escuta: seguir o sopro do vento interior, que não é para elogios, críticas, vendagem ou fracasso, mas acontece num outro registro, que só ele percebe. É dele, ninguém mais tem acesso-nem deve ter.
Nesse novo trabalho ainda indefinido, ainda emergindo das águas profundas, escrevo sobre relacionamentos deteriorados, ou delicados amores. Sobre a nossa dificuldade em ser mais felizes, sobre a luta eterna entre pulsão de alegria e desejo de término e morte.
Por erro de momento e cálculo, podemos perder tempo e vida- mas podemos ter novos ganhos, se não formos nem tolos nem rígidos demais, se o vício da autoflagelação não superar o de realização. Podemos ter um amor bom porque perdemos o que estava distorcido e ruim. Podemos ter uma vida nova porque superamos a outra, que era tormentosa e falsa. Podemos ter novo projeto de trabalho porque o outro não satisfazia mais. Isso é que chamo de arrojo, audácia positiva, salvação.
Repito, muitas coisas é preciso perder. É preciso saber perder. A criança tem de perder de certa forma a mãe para a reconquistar em outra maneira, não mais a mãe todo-poderosa, sem a qual não sobrevivemos nos primeiros anos, mas a que estimula e concilia, que empurra para cima e para adiante, nos respeita no que somos e podemos fazer- e assim também nos perde um pouco, para nos ganhar melhor.
Quando adultos, temos de ratificar essa perda, tornando-nos mais autônomos, menos rebeldes porque mais tranqüilos. As naturais implicâncias entre pais e filhos, sobretudo mães e filhos, cedem lugar a uma nova camaradagem, mais alegria e apoio mútuos.
Só quem não quiser botar rédeas e algemas poderá- sabendo perder- ganhar parceiro ou parceira carinhosos e alegres, em lugar de relações que parecem câmaras de torturas óbvias ou, pior, sutis.
O que é esse perder?
É, de novo, olhar o outro, abrir-lhe os necessários espaços, permitir que o bom senso fale mais alto que o egoísmo.
E, se algum dia houver uma real separação, nada mais digno, mais respeitável, do que deixar o outro ir, preservando os momentos bons que houve, para que não se envenene o que um dia foi amor e compromisso mútuo.
Se não formos demasiados neuróticos, os mais belos momentos estarão em nós como fundamento de uma nova experiência.
O que não podemos perder de verdade é a capacidade de contemplar e curtir a beleza e os afetos, de manter a compostura, o orgulho e a esperança. Se os deuses nos ajudarem a tanto, porque às vezes isso é dura tarefa."
Inevitáveis transições.
Lya Luft. Revista Veja.
13 de dezembro, 2006
Lya Luft. Revista Veja.
13 de dezembro, 2006
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